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Casal inter-racial

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Arquivo Pessoal

“Ainda espanta as pessoas do nosso círculo cruzarem com o Julio nos mesmos locais, consumindo as mesmas coisas, falando de igual para igual”

“Ainda espanta as pessoas do nosso círculo cruzarem com o Julio nos mesmos locais, consumindo as mesmas coisas, falando de igual para igual”

Um casal inter-racial ainda passa por constrangimentos em 2014?

Sim. Inacreditavelmente. E o melhor exemplo é estar aqui falando sobre isso, não é? Eu e o Julio estamos juntos há 20 anos. No início do namoro, entrar em um bar ou em um restaurante de mãos dadas era um acontecimento. Mas nós moramos quase cinco anos em Paris e de lá trazemos uma outra visão, muito mais misturada. E a certeza de que nós ainda temos, aqui, um longo caminho até a igualdade.

Há, claro, uma questão de classe que, no Brasil, está muito ligada à cor da pele. Preto é pobre. Ainda espanta as pessoas do nosso círculo cruzarem com o Julio nos mesmos locais, consumindo as mesmas coisas, falando de igual para igual.

Mas o principal aprendizado dessa história de amor “inter-racial” sobra para mim, o lado branco. Porque antes o racismo era invisível e eu, como a grande maioria da população brasileira, negava sua existência. A gente aprende que a pousada na praia tem quarto vago se sou eu quem pergunta; se ele vai na frente, está lotada. Que o restaurante da moda está cheio de mesas “reservadas” quando o Julio pergunta, mas que o gerente “quebra o galho” quando me vê chegar. Que o corretor de imóveis não acredita que queiramos ver o apartamento caro em um bairro bom de São Paulo, mas muda de ideia quando finalmente conhece a esposa loira do interessado. Que a primeira pergunta que me fazem sobre o Julio, sempre, é se é músico ou jogador. Fora a piadinha recorrente: se você é casada com um negro, é porque “gosta de negão”. Nunca ouvi alguém fazer um comentário parecido se o marido é loiro. Também aprendemos que, em São Paulo, se eu saio sozinha à noite, o Julio fica preocupado com assaltos. Mas, se é ele que sai sozinho dirigindo nosso carro, eu fico preocupada com a polícia – preto dirigindo carro bom, se não é famoso, deve ser ladrão.

Izabela Moi, 43 anos, jornalista, é casada com Julio Pinheiro, 42, digital expert de uma multinacional

Vai lá o depoimento de Izabela também está na Tpm deste mês


Minha história com Lupita

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Jana Cruder/Corbis Outline

Na escala social de um set de filmagem, o assistente de produção está num dos níveis mais baixos de poder e glamour, mas, aos meus olhos jovens e inexperientes (tinha então 15 anos), aquela garota de 21 anos, a terceira assistente de produção no Quênia durante a filmagem de O jardineiro fiel, tinha algo de magnânimo. Não só porque era linda, cheia de energia, carismática e envolvente, mas principalmente porque tinha um walkie-talkie para se comunicar com a equipe. Eu, assistente de qualquer coisa que precisasse de uma mão, como carregar tralhas, levantar caixas ou arrastar tendas, via o rádio como uma potência e uma responsabilidade incríveis. Ele deixava clara a distinção entre ela e eu, entre a sua relevância e a minha insignificância.

Como normalmente acontece com assistentes de produção, quando a câmera começa a rodar, a quantidade de coisas para fazer diminui e há muito tempo para o ócio e o tédio. Assim eu e a Lupita nos tornamos amigos e gastamos boa parte desses períodos conversando. Nesses papos, soube que ela era nascida no México, mas queniana da vida inteira, que falava cinco idiomas (inglês, francês, espanhol, swahili e luo) e que estava ali conferindo se trabalhar com cinema era mesmo sua praia. Na época, ela nem imaginava passar para o outro lado da câmera e muito menos que, em 2014, ganharia um Oscar.

Arquivo Pessoal

Quico e o pai em 2004, no Quênia

Quico e o pai em 2004, no Quênia

Depois trocamos alguns e-mails e notícias sobre os caminhos que cada um seguia. Foi assim que descobri que ela estudou atuação em Yale e que havia estrelado e dirigido uma série para a MTV do Quênia. Mas a grande surpresa veio quando, numa ida ao cinema para ver um filme do qual não sabia muito, me deparei com ela arrebentando em 12 anos de escravidão. Espero voltar a vê-la em breve e que ela continue transbordando a simpatia e a alegria de viver que tanto impressionaram a mim e à equipe naquela aldeiazinha perdida no Quênia em 2004.

Quico Meirelles, 25 anos, cineasta, é filho do diretor Fernando Meirelles e trabalhou com a atriz Lupita Nyong’o nas filmagens de jardineiro fiel, em 2004, no Quênia

E se... a rainha Elizabeth II fosse negra?

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Reprodução

se a rainha Elizabeth II fosse negra? Em sua quarta edição, a revista Colors resolveu responder a pergunta visualmente. Os leitores ingleses, mesmo com seu senso de humor, não gostaram de ver vossa realeza em versão black. Arnold Schwarzenegger, o papa, Spike Lee e Michael Jackson também tiveram a coloração da tez alterada – a ideia foi de Tibor Kalman, o diretor criativo da publicação na época. Foi a primeira vez que a Colors resolveu dedicar um número inteiro a um tema específico. Falaram de raça, assim no singular. “Porque só existe uma mesmo”, dizia a chamada.

Reprodução

Você já desejou ser negro em alguma situação?

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Divulgação/Bob Wolfenson

Será previsível se eu disser “sim”. Responder “não” será covardia. Dizer que não faço parte desta cultura racista é hipocrisia. E ainda falamos sobre isso. Deviam encher menos o saco dos outros e olhar pro que interessa. Adoro as diferenças, mas a desigualdade dá bode.

Será previsível se eu disser “sim”. Responder “não” será covardia. Dizer que não faço parte desta cultura racista é hipocrisia. E ainda falamos sobre isso. Deviam encher menos o saco dos outros e olhar pro que interessa. Adoro as diferenças, mas a desigualdade dá bode.

Liberta, DJ

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Renato Parada

Brasil é racista? Sim. O Brasil é um país racista. É só você ver a condição em que os pretos estão. Os pretos não são vistos. Não são vistos nas capas de revista, não são vistos no Congresso. Poucos são vistos nas ruas, porque moram nas margens da cidade. Os pretos não têm dinheiro. Poucos têm. Os pretos não têm educação. Em todos os problemas do Brasil, há pretos envolvidos. Eles sempre aparecem mendigando, de cabeça baixa, vistos de uma maneira ruim. Os termos pejorativos, apelidos e xingamentos continuam. Macaco, preto sujo, negão e neguinho são xingamentos pejorativos que continuam. Os olhares de negação quanto à sua presença continuam na rua, no metrô, no ônibus, nos restaurantes, nos bancos, quando você está dirigindo um carro bonito. Quando o negro é informado e educado e chega aos lugares, as pessoas não podem reprimir ou repreender, mas elas olham com ódio porque o cara subiu de nível. Não de nível social, mas no nível da autoestima. Toda essa negação do negro ainda é muito forte. Está no que vemos no futebol, nos skinheads agindo na madrugada, nos programas de TV que fazem chacota a toda hora. Não dá para esperar muito de um país que está nas piores posições nos rankings internacionais de educação.

racismo tem jeito? Qual? Vou usar uma frase da [apresentadora americana] Oprah Winfrey: os racistas devem morrer. O racismo é uma mentalidade e eu estou cansado dela. Cansa você falar que precisa de uma reeducação no país, cansa falar que as cotas ajudam. É uma mentalidade doente. Essa frase é dela e eu assino embaixo. Eles têm que morrer!

Como seria sua lista de dez melhores músicas feitas por artistas negros?

Negro drama” / Racionais Mc’s

Canto das três raças” / Clara Nunes (Paulo César Pinheiro e Mauro Duarte)

Zumbi” / Jorge Ben Jor

Fear of a Black Planet” / Public Enemy

Off the Wall” / Michael Jackson

White Man’s World” / 2Pac

Odiados amigos” / X da Questão

Equinox” / John Coltrane

Haiti” / Gilberto Gil e Caetano Veloso

Get Up Stand Up” / Bob Marley

1999” / Common, Talib Kweli e Sadat X

Pretinho, pretinho

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Arquivo Pessoal

Astrid Fontenelle, 53, jornalista, é apresentadora do programa Saia justa, no canal GNT. É mãe de Gabriel, um menino negro, de 5 anos

Que fique claro, odeio racistas. É crime. Na minha turma e em todas as turmas que tive todos éramos assim. Na teoria era fácil bradar. Até que em 2012, ao deixar meu filho, então com 3 anos, na porta da escola, ouço um pejorativíssimo “pretinho, pretinho”. Era um loirinho um ano mais velho do que ele. Não bradei. Gelei. Senti na pele a dor que o preconceito causa. Também não chorei, como todos que me conhecem acreditavam que teria feito. Fui firme. Porque, ao mesmo tempo que sangrou, veio a dignidade e o orgulho de ser negra. Todos somos... porra, sou filha de mãe descendente de portugueses e pai com ascendência duvidosa – pelo cabelo durinho, negro passou por ali. E explicitamente sou mãe de um menino negro com dreads no cabelo.

Não bradei porque tive mais pena do menino, que com tão poucos anos de idade já discriminava um igual por ser de cor diferente.

Dias antes o Gabriel tinha me perguntado qual era sua cor, e eu disse “negro”. Ele insistiu. E eu disse “preto”. E ele insistiu mais uma vez. E eu disse “marrom clarinho”. Conversamos sobre cor e raça, na medida da compreensão dele, e ficou tudo bem. E aí dez dias depois acontece aquilo?

Tudo foi muito rápido e eu só poderia exigir da escola (que inicialmente, e diante do choque, sugeriu que leriam livrinhos nas salas de aula) que eu conhecesse os pais do menino.

Foram horas de conversa por telefone. Foi um exercício de atenção para com o outro. Não eram preconceituosos, mas não sabiam de onde teria saído isso. Da cabeça do garoto sozinho?

Que tenha ficado ali, e em mim, a importância de prepararmos nossos filhos pra um mundo de iguais. Onde a única coisa que eu insisto em distinguir é o caráter.

Que o menino loirinho e o meu pretinho aprendam juntos a construir uma sociedade mais justa para todos!

Vai lá Astrid Fontenelle também colaborou com a Tpm deste mês.


“Você tra­balha aqui?”

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Arquivo Pessoal

Claudia Lima, 44 anos, jornalista. Trabalhou como diretora de redação na Trip Editora e hoje é editora do canal Comidas e Bebidas do portal UOL

Sempre fui a típica menina de classe média. Meu pai, contador, teve condições de nos dar uma boa casa, tinha bons carros, e eu e meus irmãos sempre tivemos boa educação. Até os 14 anos, estudamos em um colégio de freiras onde éramos os únicos negros. Lembro de uma tia que sempre me perguntava: “Você não tem amigas negras?”. No colégio, não. E quase sempre foi assim – na faculdade (bem menos), na maioria das redações em que trabalhei, nos prédios em que morei. E continua assim até hoje.

Mas quando me mudei para meu atual endereço, um prédio de classe média na zona oeste de São Paulo, senti na pele como o racismo é latente aqui no Brasil.

Para alugar o apartamento, tive de provar por A mais B que eu realmente “merecia” morar ali. Nada parecia suficiente. Nem ter um casal de fiadores impediu o mês inteiro (um mês!) de dor de cabeça, infindáveis idas a cartórios e até ter de pedir a uma advogada conhecida para me ajudar a provar que uma homônima – e não eu – é que tinha problemas com a Justiça, em outra cidade. Chegou uma hora em que não aguentei: questionei se o problema todo era o fato de eu ser negra. Negaram, claro. Várias pessoas me perguntavam se aquele era o único apê do mundo. Não seria melhor desistir dele? Mas àquela altura, ah, eu ia morar ali. Só de raiva!

Adoro minha casa, os funcionários do prédio, a síndica. Mas durante muito tempo eu fui a única negra ali. Também perdi a conta de quantas vezes ouvi de moradores (e faxineiras): “Você trabalha aqui?”. Diante da negativa, é batata: me olham com os olhos arregalados, me medem da cabeça aos pés para depois emendar: “Como assim? Mas eu nunca te vi!”.

coisa fica ainda pior quando meu namorado (branco e estrangeiro) vem me visitar: apenas ele recebe bom-dia (eu pareço invisível). Até a hora em que, de propósito, solto alguma frase em inglês. Aí, vocês já sabem: olhares de espanto, seguidos de um “ah, tudo bem?”. Humpf... Até quando as pessoas vão achar que negro não pode morar bem, ter carro bom e viver decentemente, como qualquer branco? Para todos os racistas, meu recado: aceita que é melhor. Isso não vai parar!

A coisa fica ainda pior quando meu namorado (branco e estrangeiro) vem me visitar: apenas ele recebe bom-dia (eu pareço invisível)”

Vai lá Claudia Lima também colaborou com a Tpm deste mês.

Trocaria todos os meus títulos pela igualdade

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Bruno Senna/Divulgação

Tinga, 36 anos, jogador de futebol do Cruzeiro, sofreu ataques racistas durante uma partida em fevereiro deste ano

que aconteceu comigo foi noticiado no Brasil inteiro [durante uma partida do Cruzeiro contra o time peruano Real Garcilaso, pela Copa Libertadores, a torcida imitava sons de macaco a cada vez que o jogador pegava na bola]. Recebi ofensas racistas e não vou fazer sensacionalismo em cima disso, mas é triste ver que isso tem acontecido em todas as áreas, infelizmente. Estamos em 2014 e é uma coisa mais velada, mas que existe.

olha que, pro cara que conquistou o sucesso, a vida é mais fácil. Acredito que existe um preconceito mais forte que o racismo que é o preconceito social. Negro ou branco, se você é bem-sucedido, acaba sendo aceito. Isso mostra um preconceito social muito forte.

Acredito que o racismo nos estádios de futebol também é um reflexo da educação. Algumas pessoas, quando vão para o estádio, acham que tudo o que elas falam lá fica por lá. Essas pessoas às vezes estão com seus filhos, e ainda assim estão xingando a gente. Estão ensinando isso aos filhos. Quando você é bem-educado, não existe essa divisão entre o que acontece dentro e fora do estádio. Por falta de educação, as pessoas acham que não acontece nada, mesmo no esporte. Já vi pessoas de classe alta agirem assim.

Como disse logo depois daquela partida, trocaria todos os meus títulos pela igualdade, em todas as áreas.


É reversível

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Araquém Alcântara

Os hospitais de Cubatão eram fábricas fúnebres em 1984. Bebês anencéfalos em número bem 
maior que o aceitável dividiam espaço com pacientes que, em 50% dos casos, morriam por doenças respiratórias. Fora dali, favelas apinhadas com metade da população da cidade se espalhavam pelas encostas da Serra do Mar, próximas a mangues ou ao redor de indústrias. Na Vila Socó, à beira de uma unidade da Petrobras, um incêndio matou mais de 500 pessoas e contribuiu um pouco mais para o ar fétido, denso e escuro da cidade. O “maior polo industrial da América Latina” se tornara o “Vale da Morte” – e um apelido era causa do outro.

Foi um conjunto de fatores: miséria, falta de saneamento básico e as emissões de poluentes”, diz hoje Marcos Cipriano, engenheiro ambiental e gerente da Agência Ambiental de Cubatão da Cetesb. A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo chegou à região em 1982, numa ação do então governador Franco Montoro. Em meio à abertura política no país e a denúncias de ambientalistas do mundo todo, a cidade com a sexta maior arrecadação fiscal do Brasil não poderia mais esconder a sujeira.

Na época, as indústrias locais despejavam no ambiente aproximadamente 30 mil toneladas de poluentes, somados a dejetos venenosos, como amônia, lançados nos rios e no solo. “Nessa época foram identificadas 320 fontes poluidoras, mas hoje todas estão regularizadas”, afirma Marcos.

Basicamente, as chaminés das fábricas receberam filtros que reduziram sensivelmente a quantidade de gases tóxicos emitidos. Medições de 1990 já indicavam maior qualidade do ar na área urbana, com índices de poeira respirada próximos a 50 mg/m³ por dia, como recomenda a Organização Mundial da Saúde. Dois anos depois, na conferência Eco-92, Cubatão ganharia reconhecimento da ONU como exemplo mundial de recuperação ambiental.

Além do controle das fontes poluentes de ar, água e solo, um programa de reflorestamento contribuiu para o reequilíbrio ecológico da região, que voltou a ver até espécies animais desaparecidas.

Marcos Cipriano coordena uma equipe de sete técnicos que atua nas fábricas de Cubatão e Bertioga. Cabe a eles fiscalizar e autuar – multar em até 
R$ 200 mil por dia – as indústrias que descumpram a lei. “Houve uma revisão no decreto em 2013 e ele está mais restritivo”, diz Marcos. A medida é importante: apesar de todos esses avanços, a poluição não foi totalmente eliminada. 

De tudo, muito

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Léo Martins/AG O Globo

“Sexo é remédio. Ele só é veneno quando é muito exagerado. houve uma época em que era dependente de sexo. Se não transasse, não dormia”

“Sexo é remédio. Ele só é veneno quando é muito exagerado. houve uma época em que era dependente de sexo. Se não transasse, não dormia”

Ácido, daime, cocaína, maconha, sexo. O cantor Ney Matogrosso, 72 anos, já abusou de muitos venenos na vida – e hoje só não consegue se livrar do ansiolítico tarja preta que toma para dormir

De quais venenos você abriu mão na vida e por quê? As drogas me foram muito úteis nos anos 60, para abrir as portas da percepção. Mas eu nunca tomei pra ir à balada e nunca fui dependente. Minha viagem era outra: saía do banho e vestia uma roupa branca para tomar um ácido. Em dois anos, tomei 20 deles. Parei porque uma hora aquilo não ia além do que já tinha me mostrado. Nos anos 80, tomei daime por um ano e meio, em cerimônias. Eu abstraía a coisa religiosa, o que me interessava era o efeito da bebida sobre mim. Foi maravilhoso em termos de autoconhecimento, foi como se tivesse feito dez anos de terapia. Também já fui bem maconheiro, mas hoje não fumo mais. Cocaína eu já cheirei, mas odeio porque é uma coisa mentirosa. Sob o efeito dela você é uma pessoa extrovertida, inteligente, gloriosa e, quando acaba, você não é nada daquilo. Álcool eu não bebo porque não gosto. E cigarro eu larguei em 1996, quando comecei a fazer ginástica.

E sexo? Sexo é remédio, ele só é veneno quando é muito exagerado. Houve uma época em que eu era dependente de sexo. Se não transasse, não dormia. Hoje em dia ainda gosto muito, mas de outra maneira. Antigamente, se alguém encostasse o pé em mim ou me olhasse de uma maneira mais profunda, eu ia. Eu não tinha critério, era sexo pelo sexo. Hoje em dia, carinho é o que me dá tesão. Sem carinho, eu nem me excito.

Que veneno você não consegue largar? Sou dependente de Frontal, um ansiolítico tarja preta. É uma porcaria, mas não consigo largar. Tomo há 17 anos e, sem ele, não consigo dormir. O problema é que a minha cabeça é muito ligada, acelerada. Sou assim desde criança. Minha mãe dizia que a casa inteira dormia e eu ficava zanzando pelos cômodos.

O que você faz quando quer se desintoxicar física e mentalmente? Vou pro mato. Tenho um sítio no Rio de Janeiro e gosto de ir para lá. Adoro o contato com 
a natureza.

Divulgação

Ney Matogrosso em cena do documentário Olho Nu

Ney Matogrosso em cena do documentário Olho Nu

Orgânicos para todos

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Calé/Editora Trip

Marcos Palmeira, 50 anos, ator e produtor de alimentos orgânicos

Primeiro precisamos entender o que chamamos de mais barato. Não estamos mensurando o gasto com remédios nem a destruição da natureza. Esse valor precisa ser revisto, mas acredito que, quando os consumidores exigirem a informação de origem do que estão comendo, esse preço tende a ficar mais justo. Ele jamais será igual ao de um alimento convencional industrializado, produzido por alguém que é explorado por quem vende.

comida orgânica será mais barata com a cobrança do consumidor pelo aumento da oferta. Ainda perdemos produtos no campo. O mais importante é entendermos o real valor do alimento. O que está embutido nesse ‘mais barato’ dos alimentos convencionais? Na produção orgânica, ganha quem produz e quem consome. Sem atravessadores.”

 

Andrés/Editora Trip

 

Pedro Paulo Diniz43 anos, ex-piloto de Fórmula 1 e produtor orgânico

Existem duas maneiras de abordar este problema: a primeira é com uma perspectiva a longo prazo. Para uma pessoa que come mal, vai custar muito mais se cuidar no futuro que economizar no presente comprando comida barata! A curto prazo, existem formas bem criativas de se alimentar bem e dou aqui alguns exemplos:

• Trocar alimentos muito industrializados por alimentos integrais e orgânicos. Eles saciam mais e trazem benefícios mesmo em menor quantidade, como arroz integral.

• Participar de algum grupo de compra direto do produtor.

• Comer mais em casa, o que acaba sendo mais barato e muito mais saudável.

Acredito que, com o aumento da demanda dos consumidores, os produtores de alimentos orgânicos vão se fortalecer e se desenvolver para ter cada vez mais tecnologia. Como consequência, poderão colher orgânicos mais acessíveis. Temos categorias que estão bem desenvolvidas no Brasil como, por exemplo, hortaliças, com preços bem próximos da produção convencional. Nossos iogurtes orgânicos (a marca é Fruto do Sol) já são mais baratos que os de algumas marcas convencionais.”

 

Simone Marinho/AG

Bela Gil

Bela Gil

Bela Gil, 26 anos, nutricionista e apresentadora do programa Bela cozinha, no GNT

“Comer bem não é necessariamente mais caro, se a pessoa se dedicar a preparar os alimentos. Porque o preço barato que pagamos no fast-food se deve justamente à rapidez e ao ultraprocessamento no seu preparo. A base dos alimentos rápidos e industrializados está em produtos subsidiados, como trigo, milho, soja, leite e carne.

Para isso mudar, um incentivo do governo seria necessário. Infelizmente isso não ocorre com frequência, até porque uma sociedade saudável não traz dinheiro a nenhum setor. O ideal por enquanto é comprar diretamente do produtor, porque a maioria dos supermercados cobra de 100% a 300% sobre o valor de compra.”

Letícia Moreira/Folha Press

Neka Menna Barreto

Neka Menna Barreto

Neka Menna Barreto, 52 anos, chef, banqueteira e nutricionista

“Caro é poluir rio, envenenar lençóis freáticos, machucar a terra, matar abelha, mudar o ritmo da flora e da fauna. Isso é muito caro. As leis no Brasil ainda aceitam muita coisa que já é proibida em outros países. Não existe uma lei que controle o sitiante que enfraquece sua terra com agrotóxicos. A comida que nasce dessa terra parece que é, mas não é. Um morango não é um morango 100% morango. Se pensarmos com amplitude, olhando toda a cadeia do alimento até chegar na nossa mesa, é muito mais caro o alimento não orgânico. O preço vai para a saúde. Aí você vai comprar um remédio, quanto custa? E um médico? Orgânicos são um pouco mais caros, mas quem os consome gasta menos com médico. Nunca foi tão fácil comprá-los. E a solução para barateá-lo é justamente aumentar a demanda e a oferta. É importante popularizar o orgânico e, claro, informar o quanto ele traz benefícios em uma escala maior que sua própria cozinha.”

Você ingere 5,2 litros de veneno por ano

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Ilana Bessler

Pesquisa da Anvisa (Agência nacional de vigilância sanitária),  com amostras de todo o país, apontou os cinco produtos com maior quantidade de agrotóxicos: pimentão, morango, pepino, cenoura e alface

Pesquisa da Anvisa (Agência nacional de vigilância sanitária), com amostras de todo o país, apontou os cinco produtos com maior quantidade de agrotóxicos: pimentão, morango, pepino, cenoura e alface

Esse número é equivalente ao volume de agrotóxicos por habitante jogado nas lavouras brasileiras a cada ano. Dados como esse nos tornam o país campeão em contaminação da comida. Dá pra engolir?

Em uma conversa com o jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galeano, em 2011, o documentarista Silvio Tendler ouviu que o Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos. Diante da informação, o diretor se debruçou sobre o tema e lançou O veneno está na mesa, documentário de 50 minutos, disponível na internet, que conta como os brasileiros estão se intoxicando e morrendo por causa de um inimigo praticamente invisível.

Um brasileiro chega a ingerir, em média, 5,2 litros de agrotóxicos por ano. No filme, o próprio 
Galeano alerta: “Esses venenos estão sendo permitidos em países de governo progressista em nome da produtividade. Mas o que acontece com a terra, com a gente?”.

Três anos depois, Tendler está lançando O veneno está na mesa 2, em que mostra mais de perto o cotidiano de agricultores que lutam para cultivar alimentos saudáveis, que não agridam meio ambiente e seres humanos, como tem acontecido nas lavouras país afora. “Não tem sentido você construir uma economia baseada na destruição da natureza. Isso não é economia, é catástrofe. Ao criar um modelo econômico perverso, não é o país que a gente está construindo, é a barbárie”, diz o diretor, que acredita que a agroecologia é a saída.

Lançado em parceria com a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, o documentário será distribuído gratuitamente em um circuito alternativo que envolve escolas, comunidades e assentamentos de trabalhadores rurais. O atual relatório da Anvisa traz o resultado de 3.293 amostras de 13 alimentos, incluindo arroz, feijão, tomate e os cinco vegetais que estampam esta página. Segundo a agência, a pesquisa anual vem permitindo que medidas corretivas sejam tomadas pelos órgãos locais: em 2012, 36% das amostras puderam ser rastreadas até o produtor e 50% até o distribuidor do alimento.

Vai lá O site da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida é www.contraosagrotoxicos.org. Mais detalhes sobre a pesquisa da Anvisa: http://goo.gl/fMrWkd

Assista abaixo aos docs:

Fukushima Mon Terror

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O artista paulistano Pedro Inoue esteve há algumas semanas em Fukushima, a usina nuclear cujo vazamento, causado pelo tsunami que arrasou parte do Japão em 2011, provocou estragos ambientais que vão durar para sempre. Aqui, um relato e imagens que ele produziu durante o insólito passeio

A cena é parecida com algo que você já viu algumas vezes: uma rua deserta, casas abertas, um carro parado no meio da rua, com a porta aberta e a chave no contato. Uma cidade fantasma. A diferença é que você não está em casa, sentado no sofá vendo um filme apocalíptico. Você está nessa cidade, usando uma roupa de proteção nada confortável, óculos especiais que começam a embaçar de suor, e com a respiração pesada por causa da máscara. Sempre de olho no contador Geiger, para ver o nível de radiação a que está exposto.

Essa descrição é da cidade de Futaba, a 3 quilômetros da usina de energia nuclear Fukushima Daiichi, em Fukushima, Japão. A cidade está dentro da zona de 30 quilômetros de evacuação desde 2011, quando o tsunami de 11 de março danificou a usina e seus reatores nucleares. A cidade é famosa por ter uma placa na entrada que diz: “A um futuro próspero, com energia nuclear”. Diante da cidade vazia, essa frase atinge novos significados sinistros e apocalípticos.

Estive no Japão durante dois meses deste ano como artista para participar de uma residência no centro cultural Tokyo Wonder Site. No meio de março, e alguns dias após o aniversário de três anos da tragédia, tive a oportunidade de viajar com mais três artistas para a região de Fukushima, onde produzimos intervenções, fotografias e performances. A produção foi tão intensa que acabamos formando um coletivo que batizamos de Fukushima Mon Amour, em homenagem ao filme Hiroshima Mon Amour, do francês Alain Resnais, que morreu poucos dias antes da nossa viagem. Vamos participar de algumas exposições em Tóquio neste ano, com vídeos e fotos.

It’s the end of the world

A desculpa para visitar o lugar era boa: Yoi Kawakubo, japônes que nasceu em Toledo, na Espanha, e cresceu no Japão, tinha um projeto peculiar: ele enterrou negativos de polaroid perto da planta Daiichi, da onde a radiação vem vazando, e a cada dois meses ele volta lá para desenterrar os negativos e ver o resultado. Nossa missão era resgatar o negativo perto de um templo que foi completamente destruído pelo tsunami, a 100 metros da praia.

Eu me dei conta do lugar aonde estava indo quando fui comprar as roupas de proteção. Compro qual? A mais barata? E os óculos? Com ou sem furinho? A radiação vai passar mesmo, com o que tenho que me preocupar? Me deu um frio na barriga, liguei para o Yoi e ele me explicou: o problema nessa área é o pó. Não podemos entrar de volta no carro com o pó do lugar, então temos que comprar diversos sprays de ar, para tirar o excesso de sujeira das botas, luvas, nos limpar com lenços umedecidos (desses de bebê) e deixar todas as vestimentas para fora do carro. Complicado.

Uma vez que entramos na área, passando pelo check point de segurança, eu tinha a missão de ser copiloto: levei um aplicativo Google Maps e fiquei responsável pela trilha sonora, usando o iPod da Tita Salina, uma das artistas. Coloquei no shuffle, pois o cenário da viagem era bem mais interessante do que a telinha do aparelho. De repente, como uma irônica coincidência, R.E.M. começa a tocar “It’s the end of the world as we know it”. Alguns momentos depois, tive que intervir: a música “Song 2” do Blur não caiu tão bem, apesar de todos no carro estarem balançando a cabeça e cantando ‘u-hu’, vestidos de roupas de proteção, máscaras e óculos, passando por casas destruídas e vazias.

Depois de parar em Futaba, fomos a caminho da praia onde Yoi havia enterrado o negativo. Após filmar o evento dele abrindo o negativo da polaroid e descobrindo que ele estava completamente branco (o negativo nunca havia sido exposto, ou seja, deveria estar todo preto), fomos andar na praia, com cuidado para não molhar os pés. Encontramos destroços do que antes era uma associação de pescadores. Passamos a tarde no local. Observando o mar, mudando coisas de lugar, escrevendo frases nas paredes. Filmando, tirando fotos.

 

"É muita estupidez produzir algo que vai sobreviver séculos a mais que nós mesmos e intoxicar o ambiente que temos"

 

Pura arrogância

Depois de algum tempo, eu saí sozinho para caminhar na praia. Era como qualquer outra praia: o horizonte aberto, o som do mar. O céu estava aberto, fazia um pouco de frio, a areia era um pouco grossa. Úmida. Por um espaço muito curto de tempo esqueci onde estava, típica consequência de ficar olhando para o mar e as ondas. Lembrei da minha infância, passando os verões em Toque Toque, no litoral norte paulista, cheio de areia no cabelo e dormindo no sol.

Olho para o lado e vejo a planta Daichii, mais acima na praia. O desconforto da roupa e da máscara me lembram que não poderia ficar lá por muito tempo. Esse horizonte, a areia, o mar, está tudo envenenado pela radiação que nós, humanos, criamos. Nesse lugar ninguém pode viver. As pessoas que uma vez moraram aqui NUNCA vão poder voltar às suas casas. Elas e ninguém mais, por séculos e séculos.

É muita estupidez produzir algo que vai sobreviver séculos a mais que nós mesmos e intoxicar tudo o que temos. É pura arrogância achar que precisamos de energia para chegarmos mais rápido do ponto A ao ponto B sem prever essas consequência aterrorizantes. O que aconteceu (e está acontecendo) em Fukushima deve ser mais do que um aprendizado para a humanidade. É uma prova de que energia nuclear não é uma alternativa para o futuro. E pode nos roubar a possibilidade de tê-lo. 

“A um futuro limpo, sem energia nuclear.”

Pedro Inoue, 37, é artista e designer gráfico. Já expôs na Coréia, Inglaterra e França e terá sua primeira exposição solo em Tóquio em junho. É atualmente o diretor criativo da revista canadense Adbusters

Vai lá:

SafeCast

Site organizado por hackers que divulga os níveis de radiação em todo o Japão, auxiliando as comunidades locais.

blog.safecast.org

More Trees Life 311

Projeto que promove a construção de casas de madeira para moradores evacuados de Tohoku, a área mais afetada pelo tsunami.

life311.more-trees.org/en

School Music Revival

Organização liderada pelo músico Ryuichi Sakamoto que restaura instrumentos de escolas de música danificados pelo terremoto e pelo tsunami para depois organizar concertos com seus alunos.

www.schoolmusicrevival.org

Respirar o ar das grandes cidades está deixando as pessoas mais doentes?

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Segundo o relatório divulgado pela Organização Mundial da Saúde em março deste ano, a poluição atmosférica está causando mais estragos na saúde do mundo. sete milhões de pessoas morreram prematuramente em 2012 por doenças causadas pela poluição do ar. reduzir essa poluição pode salvar milhões de vidas.

seguir, algumas opiniões sobre o assunto. No link abaixo, mais sobre o estudo da OMS. 

Vai lá http://goo.gl/MbdtZR

Daniel Kfouri

Questão de lógica

Tem um monte de estudo que mostra que sim. Mas me parece mais interessante considerar que o resultado do veneno que está no ar nasce de uma lógica que se reflete nos ouvidos, nos olhos, na pele, no espaço que nos circunda. É científico que o ar poluído tem aumentado o índice de doenças físicas ano após ano, mas a lógica que gera o ar poluído – e considera normal, por exemplo, passar horas diariamente preso dentro de um automóvel – certamente gera mais doenças psicológicas do que podemos imaginar e comprovar cientificamente.”

Alexandre Orion, 35 anos, artista multimídia, é autor da intervenção Ossário, em que usou um pano úmido para desenhar sobre as paredes de um túnel de São Paulo, cobertas de fuligem

Andrade

Feito Cigarro

A poluição do ar hoje representa um problema de saúde pública. Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde, no ano de 2012, 7 milhões de pessoas morreram prematuramente no mundo por essa causa. Dessas, 4 milhões em consequência da poluição intradomiciliar (queima de combustível de origem orgânica para aquecimento ou preparo de alimentos), enquanto 3 milhões morreram devido à exposição à poluição externa. A maioria ocorreu na Ásia, Oriente Médio, África e Américas Latina e Central. Ou seja, poluição é coisa de regiões carentes.

As mortes se devem às seguintes doenças: infecções respiratórias, infartos cerebral e do miocárdio, câncer dos pulmões e abortamentos. Os segmentos da população mais vulneráveis são crianças, idosos e indivíduos portadores de doenças crônicas como hipertensão arterial, aterosclerose, diabétes, bronquite crônica e asma.

As estimativas gerais são de que 16% dos tumores pul­monares, 20% dos infartos pulmonares e 14% das infecções respiratórias do mundo sejam causadas pela poluição do ar.

As forças responsáveis por essa situação são:

a) aumento do consumo de energia pelos países em desenvolvimento com baixa tecnologia;

b) aumento do tempo de permanência no tráfego (onde há maior poluição) devido à imobilidade no trânsito;

c) opções de obtenção de energia obsoletas e muito poluentes.

poluição do ar reproduz com menor intensidade todos os efeitos do cigarro: causa danos ao DNA (mutações e câncer), altera os mecanismos de defesa dos pulmões contra agentes infecciosos, prejudica a fisiologia dos vasos sanguíneos e altera o controle dos batimentos cardíacos. O cigarro faz isso com muito mais intensidade. Mas, por outro lado, o número de pessoas expostas à poluição é muito maior do que o de fumantes.”

Paulo Saldiva, 59 anos, médico especialista em saúde ambiental e membro do Comitê de Qualidade do Ar da Organização da Saúde (OMS)

Edu Delfim/Editora Trip

Poluições da alma

Com certeza. O ar das grandes cidades contém uma poluição constante que se realiza em gases e sentimentos. Crescem a violência e o medo, que são poluições da alma. Embora estejamos cada vez mais urbanos, fadados a viver em cidades sempre maiores e mais entomizadas (como os grandes aglomerados de insetos), ainda trazemos os costumes primatas, de viver em pequenos grupos. Isso cria uma permanente tensão, que precisa ser solucionada para que possamos nos harmonizar com o destino.”

Leão Serva, 54 anos, jornalista e escritor, coautor do guia Como viver em São Paulo sem carro

Qual o seu veneno?

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Alexandre Orion

O prêmio, de 2012, é uma obra de Alexandre Orion que usou como pigmento a fuligem expelida por escapamentos de veículos automotores

O prêmio, de 2012, é uma obra de Alexandre Orion que usou como pigmento a fuligem expelida por escapamentos de veículos automotores

Pode abrir o armário e escolher: será o ar que você respira? O gás que usa para preparar o jantar? O pão na chapa feito com farinha branca, o açúcar refinado que adoça o café? O sexo, a carne? O remédio que toma para dormir ou baseado que fuma para relaxar? A fofoca entre amigos? Um comentário odioso no Facebook? O sentimento de culpa?

Estamos nos envenenando, muitas vezes sem perceber, tantas são as distrações as substâncias que tornam nossa vida mais palatável. Mas também fazemos parte de uma geração que questiona a origem de nossos alimentos, a cadeia de produção de bens de consumo, os medicamentos receitados, o uso recreativo e medicinal da maconha, os prazeres proibidos. E que busca alternativas viáveis para que nos tornemos mais conscientes na hora de escolher nosso estilo de vida.

É do veneno que esta edição da Trip bebe – sem se intoxicar. Conversamos com personalidades de diferentes áreas para identificar problemas e soluções. Há exemplos bons e tétricos. Em alguns casos, problemas cuja origem (e consequências) ignoramos nos castigam mais do que podemos imaginar; outros que pareciam grandes já arrefecem.

Nas próximas páginas, o debate vem dividido em quatro blocos de reflexão: veneno no ar, sobre a questão ambiental; na comida, sobre o que cerca a alimentação hoje; no corpo, sobre o uso de drogas; na mente, sobre os sentimentos que podem envenenar. Trazemos ponto e contraponto, em depoimentos exclusivos e inspiradores para novas atitudes – e novos antídotos. 


Ressurgido das águas

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str new/reuters

Surfista desde os 9 anos, Mark Occhilupo é uma espécie de fênix das pranchas. No auge da carreira, se envolveu com drogas, encarou a depressão, passou meses jogado no sofá, engordou e, depois de tudo isso, em uma reviravolta triunfal, tornou-se campeão mundial de surf em 1999 justamente na etapa do Brasil. Hoje, aos 47, deixou a junk-food e as substâncias químicas para trás e se assume viciado em apenas uma coisa: televisão, que vê na companhia dos dois filhos. “Gosto especialmente dos telejornais e do Ellen Degeneres Show.” O australiano, que no início dos anos 80 encarou o mar havaiano de 10 a 15 pés e depois de alguns caldos chegou à final do Pipe Masters, nunca mais deixou de ir ao arquipélago, que visita regularmente para surfar. É de lá, mais especificamente de Pipeline, que ele conversou com a Trip sobre a vida marcada por extremos. “Você precisa gostar muito da sua própria companhia para aguentar essa vida.”

No início dos anos 1990 você teve depressão, problemas com drogas, ganhou muito peso e parou de surfar. Como foi a volta por cima que o tornou campeão em 1999, aos 33 anos? Passei mais de um ano sem levantar do sofá, só comendo batata frita e outras porcarias. Cheguei a 111 quilos. Um dia, meu patrocinador entrou em casa, me viu no sofá e disse: “Sério, Occy, não posso mais te pagar para ficar aí”. Então tive de levantar outra vez.

E como foi a retomada? Eu morria de vergonha do meu corpo. Estava tão gordo que só surfava escondido. Depois passei a correr, retomei a ioga, passei a comer peixe e salada. Antes acordava, comia cereal achocolatado, almoçava frango frito e batata frita. E qualquer coisa congelada no jantar.

O que você faz atualmente? Eu ainda trabalho para a Billabong. Comento transmissões on-line, participo de surf camps e cuido de alguns eventos infantis da marca na Austrália.

Não pensou em ser treinador? Nunca fiz isso na vida, mas adoraria. Mas teria que treinar a mim mesmo antes de dizer a outra pessoa o que ela deve fazer. Adoro dar dicas a jovens profissionais. Tudo grátis. 

Há algum alimento que você considera veneno hoje? Fui vegetariano por dois anos, mas voltei a comer carne porque sentia muita fraqueza. Hoje considero junk-food uma espécie de veneno, mas ainda como uma vez ou outra.

E quanto às drogas? Eu nunca gostei disso, mas parece que o problema é como uma doença mesmo. Tem gente que experiementa quando é jovem e não se vicia. Acho também que existem muitos tipos diferentes de drogas. Não estou aqui falando de maconha. As pessoas não pensam nas pílulas para dormir e no Valium e elas são um problema sério.

Você começou com elas? Sim, eu viajava muito. Todos os dias estava em lugares diferentes e acabei ficando dependente das pílulas para dormir, do valium e de coisas das coisas eu não gosto nem de falar. Tive que deixar isso para trás, mas foi um período muito difícil. Chega um dia em que você tem que fazer uma escolha entre o mundo real e um outro mundo para onde essas substâncias te levam. 

E cocaína? Não gosto de falar nisso. Tive problemas com a cocaína, sim, mas ainda acho que o perigo estava no calmante e nos analgésicos. Hoje, quando tenho problemas para dormir, uso medicamento natural. Se estou com dor nas costas, tento fazer alongamento e repouso.

Você dividia o problema do vício com alguém? Não. Quando você usa algo desse tipo você tenta esconder das pessoas porque já´sabe o que elas vão dizer e sabe também que não consegue fazer o que precisa ser feito para parar. Minha primeira mulher me deu muita força e foi ela que me fez procurar um terapeuta. Frequento até hoje por causa da depressão e acho que foi o melhor caminho porque aquela pessoa te escuta e não vai sair por aí falando de você. 

Pete Frieden/A-Frame

Você sofre com isso atualmente? Eu tento manter a depressão longe, mas não é uma escolha. Minha psiquiatra tem que ficar de olho e checar se está tudo bem. Quando larguei o circuito depois de ganhar o título mundial eu não estava drogado, eu estava deprimido. Você se habitua a competir e a vencer, e quando isso some é bem deprimente. 

Há muita fofoca no mundo do surf? Acho que como em qualquer outro esporte. Mas eu faço de tudo para ficar longe disso. Quando saí do circuito tenho certeza que houve muita fofoca a meu respeito, mas eu não quero nem saber.

Durante as viagens você se sentia sozinho? Bastante. Quando você viaja muito seu melhor amigo é você mesmo. Já fiquei muito sozinho em quartos de hoteis e aviões. Você precisa gostar muito da sua própria companhia para aguantar essa vida. 

Quem são seus melhores amigos hoje? Meu filho. Ele é puro, inocente. No mundo do surf tenho alguns como Joel, Mick, mas atualmente todos eles estão muito ocupados. Joel tem três filhos, mas sempre tentamos manter contato. Tenho também um amigo muito antigo, Richard Cram. Crescemos juntos e ele é um parceiro. Ele mora em Sidney, eu vivo na Gold Coast, mas nos falamos sempre ao telefone e eu posso desabafar com ele. Tenho também alguns amigos de festa, que encontro por aí. 

Você foi um cara namorador? Amar outra pessoa quando se tem esse estilo de vida também é um problema. Fui casado duas vezes e posso te afirmar que manter um casamento viajando tanto beira o impossível. Você pode conseguir muitas garotas, mas chega uma hora em que você quer uma garota com a qual você se sinta confortável, que você possa trocar carinho, conversar, beijar. Isso sempre foi um grande problema pra mim. Aliás, ainda é. 

Sente medo de morrer? Sinto e penso nisso todos os dias antes de dormir. As pessoas sempre dizem que a melhor maneira de morrer é fazendo algo que você ama, mas eu discordo. Não gostaria de morrer surfando.

Acredita em sorte? Sou talvez uma das pessoas mais supersticiosas que você conheça. Quando eu competia, achava que tudo que acontecia era um sinal para dizer se eu ia ou não ganhar. Sou obcecado pelo número 6. Em dia de competição, se o carro que ia me buscar não tinha 6 na placa, eu achava que ia perder. Nasci no dia 16 do mês 6 de 1966. Até hoje eu reparo se existe esse número nas casas ou em quartos de hotel.

E carrega algum patuá? Eu já usei. Mas hoje  sinto que espiritualmente fico mais forte se não houver colares, aneis e até tatuagem entre meu corpo e o mar. gosto de estar o mais natural possível para me misturar com o oceano e a mãe natureza. 

Você é religioso? Sou católico. Sei que não deveria ser tão supersticioso sendo católico, mas não consegui me livrar disso. Rezo antes de dormir e ao acordar. 

 


"Quando larguei o circuito, depois de ganhar o título mundial, eu não estava drogado, estava deprimido"


Já pensou em desistir alguma vez? Das garotas? 

Não, do surf, por causa das garotas! (gargalhadas) Nunca. O surf ultrapassa tudo isso. Mesmo quando eu fico triste por causa dos relacionamentos, posso olhar o mar como fiz hoje aqui em Pipeline e depois de pegar uns tubos, volto para a areia e fico mais feliz.

Qual o seu momento mais inesquecível aqui no Noth Shore? Foi no início dos anos 80, quando fui convidado para o Pipe Masters. O mar estava grande, talvez com uns 10 ou 15 pés e eu estava com muito medo, mas depois de uns caldos acabei pegando boas ondas e cheguei até a final. Foi como um rito de passagem, porque eu sabia que depois daquele dia eu nunca mais deixaria de vir ao Havaí para surfar. 

E o pior momento que você já viveu aqui? Lembro de uma vez em que tive que surfar contra Sunny Garcia no WCT. Ele brigava por seu primeiro título mundial. Quando eu cheguei ao país, todos os havaianos me diziam que eu tinha que deixa-lo ganhar. Foram dias de muita pressão e ameaças. O localismo era pesado. 

Que tipo de pressão? Eu recebia mensagens no meu telefone do tipo: se você estiver pensando em bater o Sunny é melhor arrumar as malas e voltar logo para casa porque vamos acabar com você. Foi então que eu conheci um amigo que costumava sair com o Sunny e achei que ele seria o único cara que poderia me dar uma opinião razoável sobre tudo aquilo. E ele me disse: Aconteça o que acontecer não deixe o Sunny ganhar porque ele tem que merecer o título, ele tem que vencer pelos próprios méritos. Naquele dia o mar estava com 10 pés, o Sunny quebrou duas pranchas e uma onda veio pra mim. Tive que surfa-la. Quando cheguei próximo à praia pensei...Meu Deus, o que eu fiz! (leva as mãos ao rosto). 

Ele ficou bravo? Sunny é um bom amigo e um bom atleta e quando ele saiu do mar ele me deu a mão e disse parabéns. Eu respondi que estava me sentindo muito mal e ele disse que não havia problema. Em 2000 ele ganhou o título e ficou tudo bem. 

Há alguma coisa que você goste mais de fazer do que surfar? Ficar com os meus filhos é o que me faz mais feliz, mas eu também amo assistir televisão. Eu sou realmente viciado em televisão, especialmente os telejornais e o Ellen Degeneres Show. Não consigo controlar a vontade de ver o programa dela (risos). Também amo cantar.

Você gostaria de ser cantor profissional? Adoraria. Esse ano acompanhei um cantor chamado Pete Murray. Nós fizemos uma viagem de barco com outros músicos e eu os invejei. Gosto de cantar, mas acho que vou ter que continuar apenas no karaoke. 

Tom Carroll foi o primeiro surfista a assinar um contrato milionário no surf. Você lida bem com dinheiro? Não. Cheguei a fazer bastante dinheiro quando era jovem, mas deveria ter tomado mais cuidado. Gastei por aí com amigos e ajudei minha mãe depois que meus pais se separaram. Na minha época de profissional, um pouco era muito, hoje os garotos fazem muito mais grana. Mesmo assim, toda vez que eu ia ao caixa eletrônico havia dinheiro lá, então nunca me preocupei com aplicações. Jogava o dinheiro na conta e tudo bem. Mas depois comprei minha casa e perdi uma boa quantia ao me separar da minha primeira mulher, e agora da segunda. 

Seus filhos são do segundo casamento? Tenho dois filhos com a minha última mulher, mas a minha primeira esposa tinha um filho. Eu o vejo sempre, ele até me chama de pai, mas não é meu filho biológico, é do coração. 

Sua primeira mulher, Beatrice Ballardie,  morreu em um acidente de carro. Como foi esse período da sua vida? Nós estávamos separados há dois anos. Eu estava na Gold Coast porque ia competir naquele final de semana. Recebi uma ligação do filho dela dizendo que eu tinha que correr para o hospital porque ela estava em coma e ele estava desesperado. O fim do nosso relacionamento foi muito difícil, mesmo assim eu fiquei todo o tempo segurando suas mãos no quarto, mas ela pegou uma infecção na boca, que se espalhou e não resistiu. 

O que mudou na sua vida depois dessa experiência? Mudei por dentro. Eu a amava e ela foi a mulher que estava ao meu lado quando ganhei o meu primeiro título mundial no Brasil. Ela adorava o seu país e vinha comigo todo ano. Bea fez muito por mim durante o período em que fiquei fora do “tour”, e me ajudou a dar a volta por cima quando mais precisei. 

Você já foi o ídolo de uma geração. Quem são os seus? Uau...No mundo do surf acho que o Kelly Slater seria um deles. O que ele fez e continua fazendo é incrível, ele é mesmo um alien, como dizem. Fora do mundo do surf acho que o Bob Marley. Eu concordo e procuro seguir tudo o que ele diz em suas letras. Eu sei todas as canções. 

Quão perto o Brasil está de um título mundial? Muito perto. Kelly é meu ídolo, mas Gabriel Medina é meu surfista favorito. Ele é um “freak”, suas manobras aereas são inacreditáveis e ele não deixa de arricar. Quando existe uma boa onda ele vai lá e inventa algo novo. Se existe alguém que é bom tanto na água quanto no ar e merece ganhar, esse alguém é ele. Ele é um dos melhores surfistas que eu já vi desde sempre. 

O Kelly deve se aposentar para dar espaço para os mais jovens? Eu não sei...Durante as finais eu ouvi algumas pessoas no palenque dizerem que ele não surfa mais como antes, mas dois minutos depois você podia escutar o público gritando na areia com as ondas que ele surfava. Ele está totalmente em forma, todos querem ve-lo e seria uma lacuna para o evento perdê-lo. 

Quem é o próximo Kelly Slater? Gabriel Medina. Com certeza. Ele é mais criativo e um pacote completo. Se não for o Gabriel eu diria que talvez John john Florence. Eles são jovens e dão tudo de si. 

Como você se vê aos 80 anos? Estou com 47 anos, quase 50! Sou o tipo de cara que vive um dia após o outro, sem grandes planos, então vez ou outra reparo nos meus amigos mais velhos e não consigo me imaginar daquele jeito. Tenho achado essa coisa de envelhecer algo bem estranho. Adoro dormir e dizem que quanto mais você envelhece, menos você quer dormir. Acho que serei um daqueles caras tranquilos na varanda da minha casa na austrália comendo algo saudável e olhando o mar. Adoro viajar, talvez eu faça viagens ao Brasil, fique um tempo por lá. Eu adoro o seu país. 

 

Carne é veneno?

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Daniel Malenco/Folhapress

 

Baby do Brasil, 61 anos, cantora

“Existe muita controvérsia em relação à carne. Algo que surpreendeu nos últimos tempos foi a dieta associada a grupos sanguíneos, tão usada em clínicas naturopatas e bio-ortomoleculares. Segundo essa dieta, cada grupo sanguíneo tem a lista de alimentos nocivos, neutros e benéficos. Por exemplo, para o sangue A, a carne vermelha é um veneno; para o sangue tipo O, ela é benéfica.

Eu fui ovolactovegetariana durante 12 anos e achava que não comer carne me tornaria mais pura espiritualmente. Graças a Jesus Cristo, me libertei desse ledo engano, pois, como disse Jesus: ‘O mal não é o que entra, mas o que sai da boca do homem’. Na parte física, ter sido vegetariana foi uma experiência enriquecedora com relação ao consumo de vegetais, frutas e leguminosas. Minha dieta alimentar se expandiu, trazendo hábitos saudáveis que hoje fazem parte da minha vida e da vida da minha família.”

André Mifano, 36 anos, cozinheiro e sócio do restaurante Vito, em São Paulo

“Carne não é veneno! Veneno é o que jogam sobre a maior parte das lavouras. Veneno é o que colocam na nossa comida, e dão o nome de conservantes. Se você não quer consumir veneno, saiba de onde vem sua comida. Conheça o seu produtor e valorize o seu produto.”

Carne não é veneno, mas a forma como ela está sendo produzida e consumida deve ser questionada. O ser humano é bioindividualizado gastronomicamente: cada organismo é um mundo. Tem gente que não está comendo carne, mas deveria se alimentar com proteínas de origem animal por questões de saúde; tem gente que está comendo carne e jamais deveria fazer isso. A gente não sabe observar essa nossa bioindividulidade gastronômica. O que se coloca para dentro é diferente para mim e para outra pessoa. Se eu como banana-nanica, passo mal. É um tipo de observação que podemos fazer para termos uma otimização total do nosso funcionamento orgânico.

Fabiana Sanches Urbai, 35 anos, criadora do Festival Disco Xepa, uma intervenção contra o desperdício de alimentos nas feiras e supermercados

"A produção da carne está organizada dentro de monopólios, em uma cultura de coronelismo e por meio de invasão territorial. Na Amazônia, a produção é de um boi/hectare. O modo de trato é outra questão. A gente come o animal, mas desconecta ele da vida. Vale para a carne de peixe também: está havendo um holocausto nos oceanos com a pesca extrativista.

A cultura gastronômica do brasileiro é carne, carne e carne. Quando a gente pesquisa em livros mais antigos, há inúmeros vegetais, mas há um superapego à carne, cujo sabor é altamente viciante. A gente não pode se deixar levar por essa cultura do churrasco. Estamos num país que é abundante nos reinos vegetal, fungi e mineral. É perigoso falar da carne como se fosse cigarro, mas está errado esse alto consumo. O consumo inconsciente, desconectado do setor produtivo ecológico. A gente pode juntar novas culturas, a partir de novas técnicas.”

Tania Menai, 43 anos, jornalista e colunista da Tpm que mora em Nova York

“Eliminei carne vermelha da minha dieta muito antes de saber o significado de vegetariano ou vegano. Uma aula de biologia foi o suficiente: meu professor comparou a digestão da carne com a dos demais alimentos. Não vou entrar em detalhes, para que continue lendo sem embrulhar o estômago. Não comi carne nem na gravidez – e minha filha nasceu saudável. Aprendi a buscar proteína e ferro em outros alimentos, como lentilha e feijão. Vi uma palestra do escritor americano Jonathan Safran Froer, autor de Comer animais (editora Rocco), livro baseado na pesquisa que ele fez para descobrir de onde vêm as carnes que ele daria a seu filho pequeno. Nenhuma empresa responsável o recebeu. Precisa dizer mais? No judaísmo, minha religião, a dieta kasher proíbe carne de porco e frutos do mar há mais de 5 mil anos. Há formas menos dolorosas de tirar a vida de animais. Em 2014, não há desculpas: todos sabemos como os animais são tratados e mortos. E como são cruelmente confinados para produzir leite, proporcionar couro, pele e lã, colocar ovos. Não há diversão em desequilibrar a natureza. Passou da época de ignorarmos nosso egoísmo, sabendo que prejudicamos mamíferos, aves e peixes – e há quem pague R$ 20 mil por ano para embelezar cães e gatos.”

Arquivo pessoal

Daniel Biron

Daniel Biron

Hector Lima, 38 anos, redator e roteirista

“Tirei o veneno da carne do meu corpo há 20 anos, após entender a crueldade que é um ser humano matar outro animal para comer. Também li textos suficientes sobre a longevidade e a qualidade de vida de culturas vegetarianas para tomar uma atitude. Há pouco, participei de um estudo do InCor comparando a saúde cardiovascular de vegetarianos e onívoros. Os primeiros resultados apontaram que a dieta vegetariana protege mais o coração. Antigamente não havia tantas alternativas à carne, mas hoje existem substitutos como soja, espirulina (uma alga com altos níveis de proteína) e até arroz integral puro – usado por vegetarianos e veganos praticantes de atividade física. Isso desafia o antiquado estereótipo de fraqueza ligado a quem não come carne. Quero ver alguém zoar o vegano Patrik Baboumian, atual ‘Homem mais forte do mundo’.”

Daniel Biron, 37 anos, chef de cozinha vegano veneno no corpo

“A carne é um veneno para o organismo humano: produz toxinas carcinogênicas ao ser digerida, causa aumento dos níveis de colesterol LDL e o risco de doenças cardiovasculares e diabetes tipo 2. É também um veneno para o meio ambiente: consome recursos hídricos, polui, devasta ecossistemas, gera desmatamento e destruição ao criar monoculturas de soja e milho para alimentar os animais. Mas a carne é, acima de tudo, um veneno para nossa consciência: milhões de criaturas sencientes são exploradas, torturadas e mortas em nome do prazer gustativo de alguns, que ignoram esse sofrimento e veem esses animais inocentes apenas como commodities.

Perpetua-se assim uma cultura antropocêntrica e especista, que atribui valores de superioridade ou direitos diferentes aos seres.

Retirar a carne de todos os animais e seus derivados da minha dieta me proporcionou melhorias físicas e cognitivas, mas gerou principalmente bem-estar do ponto de vista ético. Um detox simultâneo da mente e do corpo. Mesmo que imperfeita, é uma busca por uma vida mais sustentável, equilibrada e com compaixão, onde se privilegia o coletivo e consideram-se os interesses de humanos e não humanos.”

E a im­prensa? É racista?

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Foram necessários 107 anos desde a Abolição para o governo brasileiro reconhecer oficialmente a existência do racismo e da desigualdade racial no país. Foi só em 1995, com o presidente Fernando Henrique Cardoso, que passamos a discutir políticas reparatórias para a população negra. O tema teve destaque em 2001, com a III Conferência Mundial Contra o Racismo, Xenofobia e Intolerâncias Conexas, em Durban, África do Sul.

questão racial ganhou páginas de jornais quando, no início do governo Lula, em 2003, foram estabelecidas as primeiras reservas de vagas para negros em instituições de ensino superior. Muitos articulistas ocuparam espaços de opinião para defender que “não precisamos de cotas em um país tão mesclado”; “aqui existe uma democracia racial”; “reconhecer a existência de raças provoca racismo às avessas”; “a presença de alunos cotistas prejudica o rendimento das aulas” – teses que perdem força diante das primeiras turmas de cotistas se formando: estatísticas mostram que esses estudantes têm tido desempenho acadêmico igual ao de não cotistas.

maneira como os veículos de comunicação relatam assuntos ligados a essas questões faz toda a diferença no debate. Entre 2007 e 2010, a pesquisa Imprensa e Racismo, realizada pela ANDI – Comunicação e Direitos, em parceria com organizações ligadas ao Movimento Negro, analisou 54 periódicos de todas as regiões do país. Os dados apontam algumas tendências.

Uma delas: o noticiário é tecnicamente qualificado, mas permeado por um debate ideológico; nos jornais, textos sobre ações afirmativas resumem-se às cotas raciais, com 18% do total desse conteúdo. A maioria dessas informações (32%) são publicadas em espaços de opinião – em geral, contrária ao sistema de cotas. Os editoriais são os espaços opinativos que mais adotam essa posição.

Negligência

Outro dado: é um jornal regional que lidera, em termos quantitativos, o debate sobre racismo – A Tarde, de Salvador (BA), foi o impresso que mais publicou textos acerca da problemática analisada (13,1% do total). A cobertura é motivada por movimentos sociais, em especial o Movimento Negro, de forte atuação na Bahia.

estudo também demonstra que muitos temas importantes para o debate sobre racismo seguem invisíveis na imprensa. Saúde da população negra, relações entre raça/etnia e gênero, e ensino de história da África, por exemplo, apareceram em menos de 2% das notícias pesquisadas. Da mesma forma, é diminuta a abordagem da relação entre a permanência da população negra em posições socioeconômicas desfavoráveis quando comparada aos não negros.

Mas é no noticiário sobre violência que se verifica uma das negligências mais sérias da cobertura jornalística. Há uma total desvinculação entre a violência física praticada contra a população negra e o debate sobre seu contexto de produção – a violência simbólica do racismo. Quando a imprensa trata de violência física não questiona se houve racismo, mesmo que estatísticas mostrem que a maior vítima de homicídio no Brasil é o jovem negro. Das reportagens que tratam de violência física seguida de óbito, apenas 3,2% se referem ao tema racial.

Essa ausência poderia ser superada caso o noticiário mencionasse as características étnico-raciais das vítimas, se suas famílias fossem entrevistadas, se dados e estatísticas sobre homicídios de jovens negros compusessem a notícia e outras fontes, além da polícia, fossem consultadas. O avanço do compromisso por justiça racial é incontestável. A imprensa precisa acompanhar.

 

Vai lá http://www.andi.org.br/portal-andi/publicacao/imprensa-e-racismo

*Maria Carolina Trevisan é jornalista, coordenadora política do Projeto Imprensa e Racismo na ANDI, organização que dá apoio à cobertura jornalística de áreas relacionadas aos direitos humanos. Além de assinar o textos desta página e o da esquerda, colaborou com a pauta e a edição de parte dos textos desta Trip.

Maconha é veneno ou remédio?

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Reprodução

Alamy

Veneno é o que sai da boca do homem

Eduardo Knapp/Folha Press

Tarso Araujo

Tarso Araujo

Esse papo de chamar maconha de veneno é uma invenção do século 20. Mais precisamente de um tal de Harry Anslinger, chefe da repressão ao contrabando de álcool, na Lei Seca que rolou nos Estados Unidos da década de 1920. Quando Al Capone virou o que conhecemos, a proibição veio abaixo e o “senhor antidrogas” precisava de outra droga para chamar de coisa do diabo e justificar suas verbas.

Maconha pode fazer mal, é verdade. Ora, qualquer coisa pode fazer mal dependendo de como você se relaciona com ela. Não precisa ser o ‘veneno da lata’. Pode ser televisão, refrigerante, água, mulher – ou homem. Mas a maconha faz bem também.

Muito, mas muito antes de o tal Anslinger dizer que a marijuana era a ‘erva do diabo’, ela era famosa como remédio. Suas propriedades terapêuticas são conhecidas há pelo menos 4 mil anos na China. Há 2 mil anos isso já estava escrito em farmacopeias chinesas e egípcias. A Cannabis era antídoto para uma variedade de doenças, para as quais hoje a dita ‘ciência moderna’ reconhece sua eficácia.

Em março, lancei um curta-metragem chamado Ilegal, sobre a história de uma mãe guerreira que lutava para tratar a epilepsia da sua filha com canabidiol, uma substância extraída da maconha. A pequena Anny Fischer tinha 5 anos e pelo menos 60 convulsões por semana. Com uma gotinha diária do fitoterápico, ela zerou suas crises. Zerou!

A história do filme foi parar no Fantástico, emocionou o país e deixou todo mundo boquiaberto. “Ué, maconha pode ser remédio?” Sim, pode. E sabe desde quando médicos do Ocidente foram informados que certas variedades da planta podem tratar a epilepsia? Desde 1841, quando se publicou o primeiro estudo em inglês sobre o assunto. Pois é, passamos quase dois séculos fingindo que não sabíamos disso.

E ainda tem gente que diz que veneno é a maconha. Veneno, para mim, aquilo que nos mata e nos faz mal, é a ignorância e o preconceito com que a maioria das pessoas trata o assunto droga. O antídoto para isso já se conhece: informação.”

Tarso Araujo, 36 anos, jornalista, autor do Almanaque das drogas e codiretor do filme Ilegal

Bloqueio

Vendo pela parte científica do negócio, o que está sendo usado medicinalmente hoje em dia é o CBD (o canabidiol), que não tem nada a ver com o poder alucinógeno do THC. Estamos falando de coisas diferentes. Existe uma planta que é medicinal e da qual você pode eliminar a parte alucinógena, usada como droga, e usar a parte medicinal.

Na Lata/Editora Trip

Giba

Giba

 Existem relatos de pais que fazem contrabando para trazer dos Estados Unidos medicamentos para os filhos e falam: ‘Sei que é contrabando, mas para salvar meu filho eu faço qualquer coisa’. Eu até mudaria para lá para salvar meu filho! Existe um tabu diante da droga. Mas é certo que a própria planta salva vidas. Como ser contra isso? Após conhecer o relato da família Fischer com a menina Anny, como não legalizar a maconha? Tudo depende de como ela é usada: maconha pode ser um veneno ou um medicamento. O efeito da maconha como droga é um, o efeito como medicamento é outro. Nós, atletas, somos exemplos, somos espelhos. As crianças se espelham na gente. Sou contra a utilização como droga. Em 2003 aconteceu, eu usei, sou um ser humano. Mas, se você perguntar pra mim, hoje, serei contra a droga. Como item medicinal eu sou completamente a favor.”

Giba, 36 anos, jogador de vôlei três vezes medalhista olímpico

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Droga versátil

“Qualquer remédio vendido na farmácia – até uma aspirina – pode envenenar, dependendo da dose e da sensibilidade da pessoa. O mesmo vale para a maconha. A maconha combate náusea e vômitos provocados pela quimioterapia em pacientes com câncer; reduz as dores e os espasmos musculares em pessoas que sofrem de esclerose muscular múltipla (doença degenerativa do sistema nervoso), desperta o apetite, proporcionando ganho de peso e melhora do estado nutricional em pacientes com câncer ou aids; diminui o glaucoma (doença causada pelo aumento da pressão intraocular que provoca lesões no nervo óptico e, com isso, compromete a visão) e ajuda no combate às convulsões em pacientes com epilepsia.”

Elisaldo Carlini, 83 anos, professor titular de psicofarmacologia da Unifesp, fundador do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) e membro do comitê de peritos da Organização Mundial da Saúde sobre álcool e drogas Droga versátil

Jogo jogado

Piervi Fonseca/AGIF/AFP

Sebastián Eguren

Sebastián Eguren

“Cientificamente, a maconha medicinal é uma ajuda e não se pode ir contra isso. Mas eu não acho bom qualquer coisa que altere seu jeito de ser, seja álcool, maconha, cocaína. Acho que as pessoas têm de buscar algo dentro de si e acredito muito no esporte. Nele aprendi disciplina, amor- próprio, a lutar contra coisas difíceis. Concordo com a legalização da maconha, mas como maneira de eliminar o narcotráfico. Meu país, nos últimos anos, teve um aumento da criminalidade e acho que isso teve ligação com o comércio ilegal de maconha. Não gosto de hipocrisia. Se na praia tem gente fumando maconha, se na rua tem gente fumando maconha, se moralmente ela é legalizada, como seu uso ainda é crime? Devemos jogar o jogo com as cartas que estão na mesa.”

Sebastián Eguren, 33 anos, uruguaio e jogador do Palmeiras. Ele não fuma maconha, mas apoia a legalização ocorrida em seu país

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Uso regulado

“A máxima do Paracelso (pseudônimo de Phillipus Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim) diz que veneno depende da dose, mas a maconha, curiosamente, é uma das poucas coisas de que não se pode dizer isso. Ela nunca é veneno, do ponto de vista literal. Nunca houve uma overdose de maconha na história. Acho que é a única droga psicoativa do mundo que nunca matou ninguém só pela sua toxidade. Então, chamar de veneno seria algo subjetivo. Remédio, é indiscutível que ela é, e um dos mais versáteis do mundo. A primeira vez em que ela é mencionada na literatura é em um compêndio medicinal chinês: 4 mil anos atrás, era usada como fármaco, calmante e analgésico. Muita gente ainda tem dificuldade de entender a maconha como remédio porque ela é muito ampla, serve pra muitas coisas – e a gente não se acostuma a ler um remédio dessa forma. Agora, é tão venenosa quanto qualquer coisa que o ser humano use de maneira tóxica”.

Bruno Torturra, 35 anos, jornalista, foi diretor de redação da Trip, foi ativista da Mídia Ninja e hoje atua em uma nova plataforma de jornalismo, o Fluxo

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Vitor Salerno Bruno

Lucio Maia

Lucio Maia

Cabeça feita

“Desde a adolescência tenho fortes crises de enxaqueca e o veredito dos médicos era que não havia nenhuma formade tratamento realmente eficaz. Tentei diferentes tratamentos, alguns medicamentos até ajudaram por um tempo, mas quando parava de tomar os remédios as dores de cabeça voltavam até mais fortes, de modo que precisava ir a uma emergência de hospital tomar medicação injetável. Aos 20 comecei a fumar maconha. Após um ano eu percebi que não havia tido nenhuma crise – se tive, tinha sido muito fraca em relação às crises anteriores. Passei a procurar artigos médicos sobre o assunto e de fato a maconha pode realmente diminuir os sintomas da enxaqueca. Continuo usando até hoje, 20 anos depois.”

Lucio Maia, 43 anos, guitarrista das bandas Nação Zumbi e Zulumbi

O ar das grandes cidades está deixando as pessoas doentes?

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Segundo o relatório divulgado pela Organização Mundial da Saúde em março deste ano, a poluição atmosférica está causando mais estragos na saúde do mundo. Sete milhões de pessoas morreram prematuramente em 2012 por doenças causadas pela poluição do ar. Reduzir essa poluição pode salvar milhões de vidas.

seguir, algumas opiniões sobre o assunto. No link abaixo, mais sobre o estudo da OMS. 

Vai lá http://goo.gl/MbdtZR

Daniel Kfouri

Questão de lógica

Tem um monte de estudo que mostra que sim. Mas me parece mais interessante considerar que o resultado do veneno que está no ar nasce de uma lógica que se reflete nos ouvidos, nos olhos, na pele, no espaço que nos circunda. É científico que o ar poluído tem aumentado o índice de doenças físicas ano após ano, mas a lógica que gera o ar poluído – e considera normal, por exemplo, passar horas diariamente preso dentro de um automóvel – certamente gera mais doenças psicológicas do que podemos imaginar e comprovar cientificamente.”

Alexandre Orion, 35 anos, artista multimídia, é autor da intervenção Ossário, em que usou um pano úmido para desenhar sobre as paredes de um túnel de São Paulo, cobertas de fuligem

Andrade

Feito Cigarro

A poluição do ar hoje representa um problema de saúde pública. Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde, no ano de 2012, 7 milhões de pessoas morreram prematuramente no mundo por essa causa. Dessas, 4 milhões em consequência da poluição intradomiciliar (queima de combustível de origem orgânica para aquecimento ou preparo de alimentos), enquanto 3 milhões morreram devido à exposição à poluição externa. A maioria ocorreu na Ásia, Oriente Médio, África e Américas Latina e Central. Ou seja, poluição é coisa de regiões carentes.

As mortes se devem às seguintes doenças: infecções respiratórias, infartos cerebral e do miocárdio, câncer dos pulmões e abortamentos. Os segmentos da população mais vulneráveis são crianças, idosos e indivíduos portadores de doenças crônicas como hipertensão arterial, aterosclerose, diabétes, bronquite crônica e asma.

As estimativas gerais são de que 16% dos tumores pul­monares, 20% dos infartos pulmonares e 14% das infecções respiratórias do mundo sejam causadas pela poluição do ar.

As forças responsáveis por essa situação são:

a) aumento do consumo de energia pelos países em desenvolvimento com baixa tecnologia;

b) aumento do tempo de permanência no tráfego (onde há maior poluição) devido à imobilidade no trânsito;

c) opções de obtenção de energia obsoletas e muito poluentes.

poluição do ar reproduz com menor intensidade todos os efeitos do cigarro: causa danos ao DNA (mutações e câncer), altera os mecanismos de defesa dos pulmões contra agentes infecciosos, prejudica a fisiologia dos vasos sanguíneos e altera o controle dos batimentos cardíacos. O cigarro faz isso com muito mais intensidade. Mas, por outro lado, o número de pessoas expostas à poluição é muito maior do que o de fumantes.”

Paulo Saldiva, 59 anos, médico especialista em saúde ambiental e membro do Comitê de Qualidade do Ar da Organização da Saúde (OMS)

Edu Delfim/Editora Trip

Poluições da alma

Com certeza. O ar das grandes cidades contém uma poluição constante que se realiza em gases e sentimentos. Crescem a violência e o medo, que são poluições da alma. Embora estejamos cada vez mais urbanos, fadados a viver em cidades sempre maiores e mais entomizadas (como os grandes aglomerados de insetos), ainda trazemos os costumes primatas, de viver em pequenos grupos. Isso cria uma permanente tensão, que precisa ser solucionada para que possamos nos harmonizar com o destino.”

Leão Serva, 54 anos, jornalista e escritor, coautor do guia Como viver em São Paulo sem carro

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